quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

MORADOR DE RUA

Não me pergunte sobre a minha vida. Não saberia te responder ou talvez não sinta vontade de fazê-lo.
Posso apenas lhe dizer que nas noites, quando o corpo cansado pede repouso, não tenho o aconchego de um quarto, nem o céu estrelado e o luar como cobertor. Nada disso. O cimento frio de um viaduto imponente e papelões sujos roubam-me essa visão propícia de poetas.
Tampouco tenho sonhos e ilusões. Amores? Perdi a esperança! Tenho como companheira uma realidade que não chamaria de cruel porque ela é a minha fiel parceira. Jamais me abandonou.
Tenho também o craque, a droga que alimentam a minha fantasia, quando as “formiguinhas” conseguem driblar a polícia e trazê-lo para eu viajar nos braços do devaneio.
A minha vida não é fácil? Você acha? Nem sei te responder. Não conheço outra vida.
Se eu gostaria de mudar? Bem... você sabe que existem coisas impossíveis de serem mudadas! Pelo menos na minha condição.
Como sobrevivo? Pertenço a uma associação de catadores de papel. Temos um local para banhos, refeições e um armário para guardar os nossos pertences. Tudo muito simples. Aliás, não precisaria ser melhor.
Vou lhe contar uma historinha: Certa vez uma repórter, fazendo uma matéria cujo enfoque era o tráfico de drogas na região onde organizo e guardo os papéis que recolho no dia, me perguntou, ao adentrar o local onde cada um de nós tem um armário e banheiro para a nossa higiene... Ela me perguntou:
- Você só tem esse armário, só isso? – pergunta óbvia, considerando que sou morador de rua.
Esclareci:
- Tenho muito mais que isso! Tenho Deus no meu coração!
Ela me perguntou ainda, encerrando a entrevista:
- Isso é suficiente pra você?
Não sei exatamente a que a palavra suficiente se referia, se ao armário ou a Deus... Mas foi mais ou menos assim a conversa. A conclusão é sua. Agora você conhece a minha história, sabe quem sou. Mas não quero a sua compaixão. Não a quero de ninguém. De que adiantaria? Talvez nem queira mudar de vida. Apenas, eu lhe devolvo a pergunta da repórter:
- Isso é suficiente pra você?
Certamente o seu coração te dará a resposta.
E se algum dia a vida lhe roubar algo, se tiver que dormir na rua, se o concreto frio de um viaduto não for obstáculo pra você contemplar um céu estrelado e as noites enluaradas, pense na resposta que dei a repórter.

P.S.
Texto baseado numa reportagem que vi na TV. Naturalmente dei aqui uma boa dose de ficção.



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Um comentário:

  1. Gosto muito de textos que usam os tele-jornais como matéria-prima para a literatura! Há muita poesia escondida aí!
    Abraços, Rubo!

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